Sexta-feira, Novembro 7, 2025
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O BÓCIO DAS MADRUGADAS Por Geraldo Cebola

DEVANEIOS

Àquela sexta-feira, do vigésimo dia de Agosto de 2024, começou com sol incendiador e um calor escaldante. Como sempre, Mambone estava calma, tímida e coberta da sua tradição secular. Uma tradição mista, resultante do encontro entre as culturas changana e ndau.

O ar endossado do rio Save, era igualmente fritador de dermes. Com uma vegetação aberta, fisionomia que obedece às ordens duma savana, emitia cores de um verde pál ido.

A fauna aquática do Save desempenhava seu papel com deficiente competência, fruto dos sinais de seca e cicatrizes de insuficiência de água que o rio apresentava. Dentre corvos e águias via-se outras tipologias de pássaros. Pelas bermas dos quarteirões dos bairros de Mambone, poderiam ser avistados os gados bovino e caprino, e, espontaneamente suínos a revirarem a lama dos charcos. ra alto, potente e carregamente E negro.

Proprietário de uma voz estrondosa, joelhos de avestruz, nariz alongado e olhos salientes. De boca redonda e sempre com a barba tratada à lâmina. Exímio cumpridor das tarefas do seu labor, não faltava ao trabalho. Devido à sua altura incomum, Carlos Dido Camungonda, era conhecido por tio Thollo na comunidade de Mambone.

Thollo trabalhava numa das cancelas da Estrada Nacional número 1 na província moçambicana de Inhambane, como resultado ser membro da polícia de trânsito de Moçambique.

Àquela sexta-feira, do vigésimo dia de Agos to de 2024, começou com sol incendiador e um calor escaldante. Como sempre, Mambone estava calma, tímida e coberta da sua tradição secular. Uma tradição mista, resultante do encontro entre as culturas changana e ndau. O ar endossado do rio Save, era igualmente fritador de dermes.

Com uma vegetação aberta, fisionomia que obedece às ordens duma savana, emitia cores de um verde pál ido.

A fauna aquática do Save desempenhava seu papel com deficiente competência, fruto dos sinais de seca e cicatrizes de insuficiência de água que o rio apresentava. Dentre corvos e águias via-se outras tipologias de pássaros. Pelas bermas dos quarteirões dos bairros de Mambone, poderiam ser avistados os gados bovino e caprino, e, espontaneamente suínos a revirarem a lama dos charcos.

ara além das belíssimas praias que a Província de Inhambane detêm, o rio Save e a cortejante Estrada Nacional número 1 são parte do mosaico emblemático da Província. Não passa um segundo sem que as rodas dos caminhões pisem as terras de Mambone.

Os condutores o fazem com um misto de respeito e calma, abrandam e quase que veneram quando cortam a Nova Mambone. As razões do zelo pelas terras de Mambone prendem-se à dois factores: tradição e espiritualidade de que a zona é famosa, conhecida como espiritualidade ligada aos mfukwas e mambos e; ao respeito que a cancela policial do Save nutre.

Tio Thollo estava entre a equipa dos polícias em serviço naquela sexta-feira vinte de Agosto. Todo munido de disposição e autoridade da farda, tio Thollo foi fazendo o seu trabalho e interpelou vários condutores p a r a e x i b i ç ã o d e d o c u m e n t o s e aconselhamento sobre os cuidados a ter na estrada. Um dos condutores interpelados por tio Thollo, foi um senhor na casa dos sessenta anos, condutor de um caminhão que fazia o sentido Maputo-Zâmbia, carregado de material de computação.

O senhor Job Timanbva sacou o entulho de documentos requerido por tio Thollo. Tio Thollo não se mostrou satisfeito com o facto do condutor exibir toda documentação completa e resolveu forçar uma evidencia para multar ao condutor.

Resmungou enfiando sua face no interior da gola e simulando tossir pediu refresco. De seguida marchou para o traseiro do atrelado do caminhão acenando para que o condutor o seguisse. O zambiano subtraiu-se da cabine e munido de mi l respeitos aprox imou- se da autoridade.

Do bolso do zambiano saíram cinco notas de mil da moeda moçambicana e estendeu a mão como gesto de transmissão de posse.

– É o que tenho. – Proferiu o condutor zambiano.

– Está a brincar comigo? Não vê que isso é pouco? Não entende que não estou sozinho?

– Interrogou, rispidamente, Tio Thollo.

– Pode me dar algum tempo? Vou procurar outro valor pela aldeia. – Requereu o condutor.

Com a permissão de Thollo, o condutor demonstrou pretender desfazer-se de necessidades menores pela mata antes de introduzir-se na aldeia.

Alto e magro, com sua coluna empenada pela raiva da idade, cabelo esbranquiçado por torturas do peso de memórias, enfiando no seu fato de caqui grosso e com botas que pareciam de atletas de esquio, o condutor penetrou na mata e aos poucos foi evaporando da vista. Tio Thollo , em compasso de e spe ra, reaproximou-se dos colegas e foi enfiando-lhe o relatório “Zambiano”.

A burla aos condutores, para a sexta-feira 20, estava organizada da seguinte forma: cada membro teria direito de burlar cinco condutores. O resto dos veículos que passassem do Save, em caso de transgressão de código, deveriam pagar multas a favor do Estado. O zambiano, no caso concreto, seria o primeiro tacho para Tio Thollo.

Já passavam cinquenta minutos, a paciência de Thollo começara a esfumarar-se. Foi reparando por todo lado na esperança de achar um vestígio do condutor, mas nada. Identificou uma esquina e chupou dois cigarros numa rajada, segurou numa garrafa de água e vazou um litro à jato. Dirigiu o olhar para o seu ômega mais de trinta vezes, em pesquisa de horas, até porque parecia árbitro de jogo de futebol.

Três horas depois o zambiano ressurgiu como um trovão inesperado de inverno, todo calmo e sereno. Foi rebocando-se para junto de Thollo. O condutor encontrou Thollo a bufar de raiva pelo tempo que esteve a espera. Inclinou a face por obrigações de respeito e voltou a saudar o polícia.

– Espero que tenhas resolvido, porque senão…. Soltou Thollo com maneiras imperativas. O condutor arrastou-se para o interior da cabina e o motor roncou. E cicatrizando com as rodas o alcatrão da ponte sobre o rio Save desapareceu da vista de Thollo e companhia.

Thollo estava irrequieto e saltitante. Desconfiado de si mesmo introduzia a mão nos bolsos da casaca persistentemente. Mirava a continuidade da Estrada Nacional Número 1 procurando saber se o zambiano tinha seguido viagem de facto; outras vezes vigiava os céus na tentativa de avaliar possíveis zangas de Deus. O sol de Mambone não poupava os termómetros e o calor foi rebentando com as banhas de Thollo.

O caso foi lhe pesando, transferiu o maço do dinheiro – donativo do condutor – dos profundos bolsos do casaco para os inferiores bolsos das calças da farda. Tentou divorciar-se do casaco, mas o casaco teimava em não sair do corpo.

Tio Thollo começou a achar que algo não corria bem. Sentia necessidade de urinar, mas quando se diria às esquinas para executar o acto nada de urina vinha. O policial preferiu pedir licença junto do chefe da equipa e dirigiu-se para casa.

Tio Thollo invadiu seu quintal num ímpeto e correu para a sala como um vendaval na ponta do verão. Requisitou um copo de água e amontoou-se no sofá. Retirou do bolo o maço das notas e começou com o exercício de contagem.

O certo é que daquele sofá o Tio não se levantou mais, não por falta de vontade, mas porque não o conseguia. Sem êxito, a esposa tentou carregá-lo para o quarto, mas Thollo pesava como uma montanha secular. Tio Thollo pernoitou no sofá contando dinheiro sem parar. Madrugada dentro, dona Catija redimiu-se dos lençóis para observar e despertar o marido.

Thollo não parava de contar o dinheiro e registava-se um novo dado: tinham evoluído dois bócios no traseiro do pescoço. Catija, desesperada fez soar os alarmes junto dos familiares e os preocupados com a situação inundaram a casa. Foi um sábado de orações, orações sem cessar. De imediato foi decretado um jejum familiar. Thollo continuava o exercício de contagem e os bócios dilatavam o tamanho.

Quando a noite começou a invadir o dia, a família pensou em trazer um médico do Hospital Provincial de Inhambane. O doutor trazia consigo uma mala de instrumentos e medicamentos. Introduziu os termómetros e com o estetoscópio auscultou o coração. Enquanto Thollo contava o dinheiro o médico introduziu soro e não recomendou nenhuma medicação.

Na sua saída confessou aos familiares que o assunto de Thollo não era da competência da sua medicina, mas sim de outras medicinas como a libertadora e ou a tradicional. Já sob direção de um conceituado líder de uma seita religiosa conhecida por zione, a família continuou com as preces anoite dentro enquanto o núcleo duro da família se reunia para meditar sobre o passo subsequente.

Dada a gravidade da situação e com a informação reunida junto dos colegas de Thollo sobre a origem do maço de dinheiro que se encontrava em contagem contínua nas suas mãos. O núcleo duro decidiu que havia necessidade de cessar as orações e trazer um nhamussoro.

Amargurado, o líder religioso cedeu o lugar e retirou-se do cenário. Baba Zatha, como era conhecido o nhamussoro, chegou carregado de ares de urgência e emergência. Enfiou-se dentro da casa. Retirou da sua mochila de pele uma cauda de búfalo preto, carregou-a de óleos e incensos e começou a varrer o corpo de Tholo pronunciando palavrões na língua zulu.

Por fim Zatha informou aos familiares que Thollo já estava morto e que tinha morrido no seu porto de trabalho logo que recebera o dinheiro do condutor. Como prova ordenou Tholo para que parasse de contar o dinheiro e este esticou-se e o corpo ficou tísico.

Contaram-se que a morte de Thollo foi a mais comentada deste ano.

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