Natal Que Reanima A Esperança De Viver

Por Ramos António Amine, Professor de Filosofia.

Entre olhares que se cruzam, suspensos entre um passado de manifestações e um futuro de incertezas, a cidade de Lichinga firma-se ainda calma, fria, quase contida. Ainda assim, os seus munícipes projectam as vontades no mercado, eleito como espaço possível para a satisfação das necessidades imediatas.

Nem o frio que exige agasalhos, nem a chuva que transforma as ruas em lama bastam para deter Lichinga. Reanimada, a cidade vai indo com o pouco que tem, firme e esperançosa em reviver o Natal que, num passado recente, se tornara uma miragem.

Em momentos como estes, os munícipes dispensam o ntólilo, e o feijão que lhe é característico relega-se ao segundo plano, adiando-se a sua ressurreição para os meandros de Janeiro.

A procura concentra-se nos mercados, onde se compra as marcas essenciais para a ceia possível. Alguns recorrem aos supermercados para bens enlatados ou vestuário; outros, em número maior, enchem os mercados grossistas de Chiuaula, Namacula e Sanjala, espaços onde o Natal se constrói com negociações apertadas, paciência e esperança.

Nesses mercados, os gostos refinados cedem lugar à urgência do necessário. Pequenos bares e barracas improvisadas em algumas ruas perigosas tornam-se pontos de encontro, onde se partilha mais do que bebida: partilha-se sexo apressado, histórias, sorrisos que durante o ano escaparam ao naufrágio e a ilusão breve de normalidade. São cenas de Lichinga.

As principais artérias da cidade encontram-se infestadas de gente. Gente humilde que, por vezes, já não tolera os sinais luminosos, facto que os empurra para a inutilidade na via pública. O foco é o mercado. E a batata-rena é desta vez que deixa de ser rena e passa a ser suprema: o preço gripou. Ainda assim, compra-se. O objectivo é simples: passar o Natal, ao menos, com o pouco que ele exige.

Os frangos, de tão procurados, já exibem rabos avermelhados. Quase confirmam aquela notícia segundo a qual, os frangos partilham anti-retrovirais com humanos.

Apesar de parecerem consumistas, os munícipes de Lichinga sabem que gastos não racionalizados podem desgraçar famílias de gente racional. Por isso, compram com cautela, conscientes de que os primeiros meses do novo ano parecem ter oitenta dias. Meses em que, inevitavelmente, o material escolar se impõe.