Terça-feira, Novembro 4, 2025
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Cultura é Campo de Força Não de Consenso por Mucavele

O papel da crítica não é confortar nem Oharmonizar é expor as tensões invisíveis que estruturam o simbólico. A cultura viva não quer paz, quer fricção.

Foi numa tarde comum, banal até, quando o telefone tocou. Era um colega da faculdade, o Mucavele, daqueles que estão sempre a criar projectos impossíveis. Disse-me, com certa euforia, que estava a montar uma revista cultural e precisava de alguém para escrever críticas. “pensei em ti, mas não sei porquê”, depois sorriu. Aceitei sem pensar.

Desliguei a chamada e fiquei em silêncio. A palavra “crítica” vinha dentro de mim como um convite perigoso. O que é, afinal, ser um crítico cultural hoje? Um avaliador de produtos de entretenimento? Um influenciador ilustrado? Um pacificador que transforma tensões em opiniões civilizadas? Não. Entendi, naquele instante, que se fosse para escrever, seria para desestabilizar.

A crítica, se serve para alguma coisa, não é para construir consenso, mas para expôr forças. E foi daí que nasceu esta reflexão. O Papel da Crítica Mucavele, crítica não é legenda, é choque de leitura. Não basta descrever ou elogiar: é preciso atravessar o objecto cultural até ver o que ele oculta. Uma boa crítica é um curto-circuito entre forma e conteúdo, entre intenção e efeito, entre discurso e silêncio.

Ser crítico, hoje, é um acto de resistência contra a docilidade do discurso cultural. Significa recusar o papel de mediador leve, e assumir o de corpo em atrito. A crítica precisa sujar-se no campo onde as forças colidem.

A Mentira do Consenso

Vivemos numa época que transformou a harmonia em virtude. A cultura, domesticada por discursos de inclusão e marketing moral, tornou-se um grande hall de boas intenções. Tudo precisa ser “positivo”, “representativo”, “seguro para o público”.

Mas cultura não é terapia, é fractura. Quando uma obra cultural serve apenas para reafirmar a moral vigente, ela deixa de pulsar.

O verdadeiro gesto criativo desestabiliza e nisso reside sua ética. Acomodar o real é o primeiro passo para matar a imaginação. “Toda ordem é uma violência.”

Já dizia Michel Foucault A busca incessante por consenso é, no fundo, uma recusa da complexidade humana. É o medo de admitir que o pensamento é conflito, e que o diálogo só é possível quando há atrito.

A Cultura Como Campo de Forças Cultura é energia em disputa. Cada arte, cada discurso, cada corpo exposto na esfera pública está submetido a forças de poder que se atraem, se repelem e se negam mutuamente. Não existe neutralidade simbólica: todo gesto cultural coloca corpos em jogo, quem fala, quem cala, quem consome, quem é consumido.

Quando um filme mostra diversidade com um roteiro previsível, o que está em jogo não é só a representação, mas quem lucra com ela.

Quando um grafite, diamante ou objecto antigo é convidado pra dentro do museu, o gesto pode ser reconhecimento, mas também domesticação do subversivo. A cultura é esse tabuleiro de forças invisíveis onde cada aparente vitória esconde uma nova forma de captura.

A Moral Disfarçada de Estética O novo moralismo vem travestido de estética progressista.

A arte deve “representar”, “incluir”, “corrigir”. Mas quem define o que merece ser incluso? A crítica cultural, se quiser ser honesta, não pode ser cúmplice dessa liturgia da pureza. “A cultura que redime é a cultura domesticada.”

O critério da sensibilidade não é a virtude, é a tensão. Obras desconfortáveis, contraditórias e até moralmente ambíguas são necessárias porque só elas revelam a zona onde o humano ainda está vivo.

O Risco é o Oxigénio da Cultura Cultura que não arrisca, repete. Cultura que não fere, adestra. A arte e o pensamento precisam de zonas perigosas, de sustos, de abismos, de palavras que ainda tenham capacidade de arranhar o conforto colectivo.

Mucavele, escrever crítica cultural é aceitar sangrar um pouco. Não há outro jeito.

A lucidez dói, mas purifica. Cultura é campo de força, não de consenso, porque a vida é feita de colisões, e o pensamento é o registo dessas colisões. Nada de harmonia, queremos fricção, ambiguidade, vertigem. O restabelecimento do conflito é o que mantém o real respirando.

Quem escreve crítica hoje precisa ter a coragem de ser impopular. O elogio fácil é o epitáfio da inteligência. O verdadeiro crítico é aquele que, ao invés de oferecer paz, acende uma faísca.

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